A safra recorde de grãos gera otimismo no campo e movimenta a cadeia de fornecimento dos produtores rurais. Não fosse o agronegócio, a atividade econômica estaria ainda mais lenta neste ano
Para explicar a queda das vendas no Brasil a investidores globais, a
fabricante americana de tratores AGCO se viu obrigada a repetir, ao
longo de suas divulgações de resultado em 2016, uma frase padrão
atribuindo o desempenho negativo às incertezas políticas e econômicas no
País. Foi só no terceiro trimestre, último dado disponível, que a
mensagem pôde ser acompanhada de uma constatação de leve melhora no
ambiente local, num sinal de otimismo com a recuperação do setor.
Mais do que as movimentações em Brasília, é a previsão de uma safra
recorde de grãos que permite ao grupo projetar uma expansão de até 10%
no País em 2017, após dois anos seguidos de retração. Crescer a um ritmo
de dois dígitos é um privilégio numa economia que ainda se recupera de
forma gradual. Um benefício quase que exclusivo para quem tem como
alavanca o agronegócio, que desponta, mais uma vez, como a grande boa
notícia para a atividade econômica.
Nos cálculos do banco Bradesco, o PIB do campo deve avançar 6% em
2017, bem acima dos investimentos (2,5%), a segunda maior expansão entre
as demais categorias medidas pelo IBGE – consumo e serviços, por
exemplo, devem ficar estáveis. Para o Brasil como um todo, a expectativa
do banco é de alta de apenas 0,3%. “Ano passado, nós tivemos quebra de
safra”, afirma Regina Helena Couto Silva, economista do Bradesco. “Neste
ano, um clima mais chuvoso, aumento de área e produtores mais
capitalizados fundamentam uma boa safra.”
As projeções do banco Santander reforçam o otimismo com o setor, com
uma alta prevista de até 5% do PIB agropecuário neste ano. A
agroindústria, que inclui o desempenho de empresas como BRF e JBS, deve
representar 65% do avanço de 0,7% do PIB brasileiro, segundo o banco
espanhol. “A salvação da economia brasileira deve vir da lavoura”, diz
Rodolfo Margato, economista do Santander. “Não fosse pelo agronegócio, o
PIB estaria deprimido, próximo de zero.”
Embora represente diretamente uma fatia de 6% do PIB, cerca de R$ 380
bilhões, a agropecuária é vista pelos analistas como um propulsor
relevante da atividade, pela capacidade de puxar serviços e a demanda
por equipamentos, como os tratores, colheitadeiras e caminhões, por
exemplo. Considerando os impactos ao longo da cadeia de produção, o peso
estimado do agronegócio no PIB chega a 22%, equivalente a R$ 1,42
trilhão, segundo cálculos da Confederação da Agricultura e da Pecuária
do Brasil (CNA).
O Brasil é o quinto maior país do mundo em território, com um total
de 8,516 milhões de quilômetros quadrados. Desse total, 9,1% é
considerado como arável. Cerca de um terço já é utilizado para a
produção de alimentos. Após a quebra na safra do ano passado, a
expectativa é de que a produção de grãos totalize um volume recorde de
215,3 milhões de toneladas na temporada 2016/2017, que começou em 1º de
julho de 2016 e se estenderá até 30 de junho. A projeção da Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab) representa um aumento de 15,3% em
relação à temporada passada e está sendo influenciada pela melhora da
produtividade, que foi prejudicada no ano passado por condições
climáticas ruins, junto com a ampliação da área plantada em 1,3%, para
745,6 mil hectares.
A
soja e o milho são as principais culturas do País – representam 90% da
produção. No caso da soja, a expectativa é de uma colheita recorde de
103,8 milhões de toneladas, aumento de 8,7%. O milho deve ter um forte
aumento na comparação anual (26,9%), para 84,5 milhões de toneladas,
diante da perspectiva de que a primeira semeadura registrará aumento de
produção depois de três anos consecutivos de queda, e a segunda safra
baterá recorde. Da porteira até o porto, todos os setores envolvidos com
o agronegócio devem registrar ganhos.
No segmento de tratores e colheitadeiras, a expectativa é de que as
vendas subam 13%, para 49.5 mil unidades, na comparação com o ano
passado, e a produção, 10,7%, a 59,6 mil unidades. Em 2016, ambas
registraram queda de 4,8% e 4,1%, para 42,8 mil e 53 mil unidades,
respectivamente. “Estamos iniciando uma retomada. Tivemos queda em 2016,
mas começamos a ver uma recuperação no segundo semestre”, afirma Ana
Helena de Andrade, vice-presidente da Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Um conjunto de coisas
está puxando o setor, como a expectativa de safra recorde e a
estabilidade do crédito.”
Para a AGCO, dona das marcas Massey Fergunson e Valtra, a melhora da
conjuntura deve se somar ao lançamento de produtos. “Estamos confiantes
que, com as novidades, vamos melhorar a nossa participação de mercado”,
afirma Alfredo Jobke, diretor de marketing para a América do Sul. A
empresa detém hoje cerca de 45% do mercado de tratores no Brasil, cujas
vendas somaram 36 mil unidades no ano passado. Se confirmado o
desempenho esperado, o País deve voltar a ser destaque nos resultados
globais da companhia.
PROTECIONISMO Há um motivo extra do exterior para o
otimismo neste ano. Com a política isolacionista do presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, e a reversão de acordos globais de
comércio, o Brasil terá mais espaço para ampliar as vendas pelo mundo.
Em apenas três dias no cargo, Trump anunciou a saída do Acordo
Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês) e
indicou que pretende rever a presença americana no Tratado
Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, em inglês), bloco que reúne os
Estados Unidos, o Canadá e o México (leia reportagem aqui).
No ano passado, a balança comercial brasileira como um todo fechou
com o maior superávit registrado da história, com saldo positivo de US$
47,692 bilhões, e o agronegócio foi responsável por esse número. Com a
Ásia como principal destino, o agronegócio foi responsável por um
superávit de US$ 71,31 bilhões. Para avançar no vácuo de Trump, o
governo terá de reforçar as negociações. “O que imaginamos é que o setor
pode se beneficiar dessa situação e abocanhar alguns mercados do TPP,
mas, para isso, o governo precisa ser pragmático”, diz Renato Conchon,
coordenador do Núcleo Econômico da CNA.
A contribuição do agronegócio para a economia poderia ser mais
relevante não fossem travas históricas do setor. O presidente da
Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil), Marcos da
Rosa, cita três: crédito, infraestrutura e a capacidade de gerar
continuidade no plantio. A burocracia na liberação dos financiamentos
pelos bancos é considerada a mais urgente. O governo oferece crédito
subsidiado aos produtores. No dia 19 de janeiro, o presidente Michel
Temer anunciou a liberação de R$ 12 bilhões, por meio do Banco do
Brasil, para o pré-custeio da safra 2017-2018, com juros subsidiados,
mas há dificuldade na hora de acessar.
“Atualmente o crédito chega em cima da hora, forçando o produtor a se
financiar com fornecedores, o que acaba tornando tudo mais caro”, diz.
Na questão de infraestrutura, a cobrança é por investimentos em portos,
rodovias e ferrovias. Rosa também alerta para necessidade de estimular a
continuidade da atividade agrícola. Segundo ele, os custos elevados
inibem a perpetuidade dos plantios e a entrada de novos produtores. “Se a
atividade não tiver lucro, nossos filhos não vão querer continuar”,
afirma o dirigente, traumatizado pelas perdas da safra 2015-2016. “Será
que nem nos Estados Unidos, onde os produtores são pessoas mais velhas”.
Os problemas, porém, ficam menores diante dos belos resultados do
setor.
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