Uma auditoria feita pelo
Tribunal de Contas da União (TCU) no contrato da ferrovia
Transnordestina apontou uma série de irregularidades que, se não forem
corrigidas, podem resultar na anulação da concessão. Segundo o relatório
da investigação, obtido pelo Valor, o governo "perdeu o controle" sobre
a obra, que começou há quase dez anos, mas segue sem perspectiva
concreta de conclusão e com custo quase três vezes superior ao previsto
originalmente.
Apesar
de ser uma obra privada, a estrada de ferro conta com farta parcela de
recursos públicos, tanto por meio de financiamentos subsidiados quanto
por aporte direto do governo federal, que é sócio do projeto. Do
orçamento total, hoje em R$ 11,23 bilhões, menos de 30% são de recursos
privados.
A
ferrovia pertence à Transnordestina Logística, uma subsidiária da
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Em 1997, o grupo participou do
leilão do espólio da Rede Ferroviária Federal e arrematou toda a malha
Nordeste, que abrangia 4.238 km de trilhos. No ano seguinte, começou a
oferecer serviços se transporte de carga. Segundo TCU, os problemas
começaram naquela época.
O
relatório aponta que a CSN jamais cumpriu as metas de produção
pactuadas, mas que não foi adequadamente punida pela Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT). Ainda assim, em 2005 a empresa foi
autorizada a construir a Transnordestina, ligação de 1.753 km entre o
município de Eliseu Martins (PI) e os portos de Suape (PE) e Pecém (CE).
Para
obter a autorização, a concessionária prometeu que a nova ferrovia, com
capacidade para 30 milhões de toneladas anuais, seria construída em
três anos e custaria R$ 4,5 bilhões, sem a necessidade de desembolsos de
"grande monta" pela União. A CSN sinalizou que a Transnordestina
contribuiria para um aumento de US$ 3,5 bilhões na balança comercial
brasileira já em 2010.
Conforme
o TCU, para cumprir o acordo, a empresa deveria ter entregue em 2006 e
2007 os estudos de engenharia, o que não ocorreu.
Ao contrário, os projetos só foram encaminhados bem mais tarde, a menos de seis meses do prazo combinado para a conclusão da obra, ainda assim em "versões preliminares".
Quando
foram apresentados, os projetos apresentaram alterações significativas,
o que, segundo o TCU, deveria inviabilizar as autorizações dadas
anteriormente. "As novas versões deveriam ser submetidas à manifestação
da diretoria da ANTT, o que não ocorreu", diz parecer.
"Nota-se,
desse modo, que a ineficiência da concessionária em elaborar os
projetos inviabilizou a construção da ferrovia no prazo pactuado",
afirma o documento do tribunal.
O
reiterado descumprimento das metas deu origem, em 2012, a um processo
de caducidade da concessão de toda a malha Nordeste. No entanto, a
Superintendência de Marcos Regulatórios da ANTT decidiu engavetar o
caso. O argumento foi de que os problemas identificados decorreram de
fatos "não imputáveis" à CSN.
As
irregularidades se acumularam sob um contexto jurídico frágil, já que
não havia um contrato específico para a construção da Transnordestina.
As obrigações constavam de documentos que não estavam amparados em um compromisso formal. Só em janeiro de 2014 é que foi assinado o contrato de concessão, a partir do qual o governo se comprometeu a cobrar resultados da CSN.
Foram
estabelecidos prazos para a entrega de cada lote, com previsão de
conclusão da ferrovia em dezembro de 2016 e punições para atrasos. Para o
TCU, porém, o contrato foi assinado de forma "atípica", sem estudos
prévios ou análises que justificassem o interesse público do projeto e
nem que garantissem manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.
De
acordo com o relatório do TCU, a ANTT alegou, em sua defesa, que a
simples inclusão da Transnordestina no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) atesta o interesse público do projeto.
Mesmo
com o novo contrato em vigência, os atrasos continuaram. Segundo o
cronograma vigente, 16 lotes já deveriam ter sido entregues até agora.
No entanto, desse total, 6 ainda estão em execução e 4 nem sequer foram
contratados, o que coloca em xeque a conclusão da ferrovia no fim deste
ano. Segundo a ANTT, foi aberto processo administrativo para apurar
"eventual" descumprimento dos prazos acordados.
O
status dos lotes consta de apresentação feita há dez dias na Câmara dos
Deputados por um representante do BNDES, que é sócio da ferrovia. Ele
apresentou informações atualizadas do projeto, algo que a concessionária
se recusa a fornecer. Segundo o banco, quase dez anos após o início das
obras, a execução da Transnordestina está hoje em 55%.
Responsável
pela fiscalização do contrato, a ANTT não consegue confirmar quais
trechos foram entregues, quais estão atrasados e, segundo o TCU, nem
mesmo o valor atual do projeto. "A análise permite verificar o
descontrole da ANTT em relação à concessionária", afirma o relatório da
auditoria.
O
documento determina que a ANTT considere a abertura de um novo processo
administrativo visando a caducidade da concessão. A agência também terá
que levantar os números atualizados do projeto e rever os processos
internos de cobrança das multas aplicadas por descumprimento das metas.
De
acordo com a legislação, se comprovada a inadimplência da
concessionária, a caducidade será declarada por decreto,
independentemente de indenização prévia. O relatório foi encaminhado em
dezembro de 2014 ao gabinete do ministro Walton Alencar, que até hoje
não pautou o processo para o plenário do TCU. A assessoria do órgão
afirmou que a demora reflete a "complexidade" do caso.
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