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Um ano ruim como o de 2016 não se repetirá

Depois de 26 anos na Scania, o executivo paulistano Roberto Leoncini foi convidado, no ápice do setor, em 2014, a comandar as operações de caminhões e ônibus da concorrente Mercedes-Benz no País. O desafio, naquela época, era garantir as entregas em um mercado fervilhante. Mas tudo mudou. A troca de emprego coincidiu com o início de um dos mais agudos ciclos de queda da história da indústria brasileira. O setor de veículos pesados, que vendia aproximadamente 170 mil unidades por ano, fechou 2016 em um patamar de 47 mil. “O volume de vendas regrediu a níveis de 20 anos atrás, mas com os custos de 2017”, afirma. O cenário apocalíptico para as montadoras, no entanto, é apenas uma imagem no retrovisor, na opinião do executivo. “As coisas ainda não melhoraram, mas o ambiente de negócios está mais positivo”, diz Leoncini. Acompanhe, a seguir, sua entrevista.

DINHEIRO – A crise que atingiu em cheio o setor de caminhões deve se repetir neste ano?

ROBERTO LEONCINI – O ano de 2016 foi terrível. Um ano para gente esquecer, rasgar da folhinha e não usar como base de planejamento para os próximos anos. Eu não acredito em algo assim de novo. Um ano ruim como o de 2016 não se repetirá. Olhando para trás, creio que o que mais prejudicou o setor de caminhões foi o baixo ritmo da agricultura. O setor de veículos pesados tem uma relação carnal com o desempenho do campo, que é o maior gerador de carga do País. O setor de grãos registrou entre 30% e 40% de queda. Com uma quebra de safra desse tamanho, em meio a um cenário econômico desanimador, todo mundo recuou na compra de novos caminhões porque já tinha capacidade de transporte. O empresário só decide comprar um novo caminhão quando tem um novo contrato assinado. Isso não aconteceu. Então, muitos decidiram adiar a compra e esticar a manutenção.

DINHEIRO – Suas projeções de recuperação estão baseadas em quê?
LEONCINI – Se a gente olhar para as características do País, para o tamanho da economia, para a idade avançada da frota, para o modelo de logística, em que 62% do transporte está em cima do caminhão, não temos como imaginar a repetição de um ano igual ao de 2016. Além disso, o empresário que vive do transporte sabe que não pode ficar rodando com um caminhão de dez ou quinze anos de uso. O negócio se torna economicamente inviável diante dos custos de manutenção.

DINHEIRO – Qual é a sua projeção de crescimento para este ano?
LEONCINI – Imagino algo entre 6% e 10%. Mas acredito que teremos surpresas boas em alguns segmentos.

DINHEIRO – De onde virão essas surpresas?
LEONCINI – Estou confiante que o plano do governo de acelerar a infraestrutura e as concessões vai gerar uma onda de novos investimentos. A empresa que vence uma licitação quer sua frota pronta para operar no dia seguinte. Então, há boas perspectivas.

DINHEIRO – Mas as altas taxas de juros não podem frustrar essas perspectivas?
LEONCINI – Pode ser que sim. Os empresários saíram de uma taxa de juros de 6% pelo Finame, para 15% ao ano. Esse foi o primeiro susto. Depois, os bancos se mostraram muito mais seletivos na concessão de financiamentos. O medo da inadimplência inibiu novos negócios. O funil ficou muito estreito. Mas existe uma situação que prejudicou ainda mais. Na outra ponta do mercado, o gerador de carga passou a espremer os donos de caminhão, com fretes muitos baixos. Como havia um cenário de excesso de oferta de transporte, o preço caiu demais. Todos esses fatores levaram os grandes empresários do ramo de logística a recuar.

DINHEIRO – As medidas econômicas adotadas pelo governo Temer estão agradando?
LEONCINI – Todas as medidas que o governo vem tomando estão no caminho de melhorar o ambiente de negócios e de restaurar a confiança perdida. Temos hoje uma clareza maior do BNDES em relação aos critérios de liberação de financiamento. Então, mesmo que não exista uma taxa de juros nos níveis de alguns anos atrás, agora está mais fácil para o empresário fazer as contas e tomar sua decisão. É evidente que quem pagava juros de 6% ao ano, não quer pagar 13%. Mas, pelo menos, o jogo está claro.

Colheita de soja em Rondonópolis, no Mato Grosso
Colheita de soja em Rondonópolis, no Mato Grosso (Crédito:Jorge Araújo/Folhapress)
DINHEIRO – Como a matriz da Mercedes-Benz, na Alemanha, encarou essa reviravolta da economia brasileira?
LEONCINI – A matriz tem acompanhado com naturalidade e confiança na recuperação. Tanto é que o plano de investimento de R$ 1,4 bilhão no País, entre 2015 e 2018, em nenhum momento foi alterado. Uma parte desse dinheiro está sendo investida na construção de uma pista de testes de veículos comerciais em Iracemápolis, no interior de São Paulo, e a outra na modernização da fábrica em São Bernardo do Campo. Se estamos investindo é porque acreditamos na recuperação.

DINHEIRO – Por que a política de incentivos dos governos Lula e Dilma, que funcionou durante um tempo, se mostrou equivocada?
LEONCINI – Porque não adianta o governo eleger um setor para dar apoio irrestrito, como foi feito, sem atacar as questões essenciais da economia. O investidor de fora precisa olhar para o Brasil e ter previsibilidade para trinta anos. Antes, o governo empurrava alguns setores para uma realidade que não existia. Para esses setores crescerem, o País tinha que crescer junto. Deu no que deu.

DINHEIRO – Qual foi o peso da operação Lava Jato no desempenho ruim do setor de caminhões?
LEONCINI – Prejudicou bastante. A construção civil, principalmente a construção pesada, parou. Além disso, estamos na expectativa para saber qual empreiteira está em condições de assumir grandes obras no ciclo de concessões que está no horizonte. Quem vai construir? A construtora de médio porte vai entrar em um segmento que não é o dela? Haverá ‘players’ de fora? Então, há várias questões que ainda precisam ser respondidas.

DINHEIRO – Como a Mercedes-Benz conseguiu ampliar a participação de mercado no ano passado?
LEONCINI – O ano de 2016 foi o pior em volume para o mercado de caminhões em 20 anos. O que a Mercedes-Benz conseguiu tirar de bom nesse cenário tão ruim foi o aumento de participação de mercado. Nosso market share passou de 26,2%, em 2015, para 29,6%, no ano passado. Isso mostra que nossa estratégia em relação a produto estava na direção correta. Lançamos alguns modelos e fizemos melhorias nos caminhões que já tínhamos. Além disso, intensificamos o trabalho de aproximação com os nossos clientes, com o mote ‘as estradas falam, a Mercedes ouve’. Pode até parecer uma frase de efeito, uma ação de marketing, mas se trata de uma nova postura da companhia e das concessionárias.

DINHEIRO – Além da frase de efeito, o que isso significa?
LEONCINI – Ampliamos nossa atuação no mercado de caminhões usados, um segmento que não era uma prioridade antes, quando o mercado estava superaquecido. Antes, o cliente vendia seu caminhão da forma como ele achava melhor, anunciava nos classificados ou deixava nas mãos de algum garagista. O problema é que, com a crise, os garagistas também sofreram. Os preços caíram e muitos fecharam. Aí percebemos que, de alguma forma, poderíamos ser um porto seguro para os donos de caminhão. Abrimos uma loja chamada SelectTrucks em Mauá, na Grande São Paulo, e outra em Betim, Minas Gerais, mais recentemente. Então passamos a atuar tanto na operação de compra e venda, como na intermediação, com qualquer marca. Além disso, estreamos no mercado de exportação de usados. Foi inédito para nós. Tínhamos um cliente no Sul com uma frota específica, de 80 caminhões da marca voltados à mineração e à construção pesada. Com nossa rede de contatos em todo o mundo, encontramos compradores em diversos países. Uma parte foi para a Holanda, outra para a África. Ou seja, ajudamos o cliente a fazer algo que ele, provavelmente, não seria capaz de fazer sozinho. Essa foi uma forma de diversificar o escopo dos negócios durante a crise.

DINHEIRO – O empresário do setor ficou mal acostumado com os juros subsidiados?
LEONCINI – Não acho que a melhor definição seja mal acostumado. Acho que a política de juros baixos para o setor de transporte gerou um excesso de oferta de frete, que se somou a uma baixa demanda causada pela retração econômica. Agora, a conta não fecha. Qualquer pessoa poderia se tornar um transportador. Era só ir a uma concessionária, comprar três caminhões e sair por aí oferecendo frete como transportador. O juro incentivado para o setor, feito para ajudar, acabou atraindo muita gente de fora. Essa pouca barreira de entrada trouxe aventureiros para um ramo complexo. O resultado é que os bancos estão fazendo apreensão de caminhões que foram comprados com juros de 2,5% ao ano. Como pode alguém que paga juros tão baixos ter de devolver o caminhão? Eu não consigo entender.

DINHEIRO – Qual setor se saiu melhor?
LEONCINI – Cada segmento teve um comportamento diferente, e cada região do País apresentou comportamentos distintos. Tivemos que aprender a enxergar com mais clareza esses vários cenários e, dentro de cada atividade, saber identificar o potencial de surgimento de bolhas de prosperidade.

Presidente Michel Temer durante anúncio de ações de estímulo à economia
Presidente Michel Temer durante anúncio de ações de estímulo à economia (Crédito:Beto Barata)
DINHEIRO – Quais seriam essas bolhas de prosperidade?
LEONCINI – Veremos o surgimento de bolhas de prosperidade em alguns segmentos da economia, como no agronegócio. Existem outras apostas. A logística voltada a transporte de valores é uma delas. Por conta da expansão do comércio eletrônico, há um aumento da demanda por transporte urbano. O ramo de bebidas é outro. Mesmo na crise, as distribuidoras mantiveram seus ritmos de vendas. Isso também acontece com o transporte de combustível, de químicos e fertilizantes.

DINHEIRO – Mas não era previsível o bom desempenho desses setores?
LEONCINI – Isso estava no radar, mas o crescimento tem sido muito acima da expectativa. O Brasil nunca esteve tão conectado. Somos o País do smartphone. Todo mundo, antes de comprar, compara preços no celular. Isso gera uma demanda extra por transportes.

DINHEIRO – Como a Mercedes-Benz está se preparando para 2017?
LEONCINI – Estamos monitorando o mercado e, junto com a minha equipe de inteligência, conversamos todos os dias sobre os possíveis rumos do País. Por enquanto, 2017 está muito parecido com 2016, mas com um ambiente de negócios mais propício, mais positivo. Existe uma tendência de mais otimismo porque todos estão vendo que o governo está empenhado, conseguiu a aprovação da PEC do teto dos gastos, está seguindo adiante com a reforma da Previdência, discutindo a reforma trabalhista, falando de desburocratizar algumas coisas da economia. Então, tudo isso está criando um ambiente que, pelo menos, está gerando um aumento do nível de consulta, algo que acontece antes de se efetivar uma venda.

DINHEIRO – As projeções para o agronegócio são boas neste ano…
LEONCINI – Excelentes. A perspectiva de colher uma safra de 215 milhões de toneladas é fantástica, mas precisamos levar em conta qual é a capacidade de transporte dos empresários do agronegócio atualmente. Esses caminhões começarão a rodar em breve, e poderão ter o apoio de caminhões que estão parados em outros segmentos. O transporte de soja, por exemplo, pode facilmente ser feito por caminhões que operavam em outra área. De qualquer forma, uma safra desse tamanho vai injetar muito dinheiro na economia, principalmente nos grandes cinturões agrícolas do País.

DINHEIRO – O dólar mais caro favorece ou prejudica a Mercedes-Benz?
LEONCINI – Eu escuto tanta teoria sobre o dólar caro ou o dólar barato que já não podemos nos preocupar demais com isso. Existem agricultores que não estão querendo vender a safra porque o dólar estava a R$ 3,70 no ano passado, e agora está a R$ 3,15. Evidentemente, para o nosso custo de produção de caminhões, a cotação da moeda americana influencia. Agora, no final das contas, tudo depende de cada momento, de cada contrato, de cada situação. A gente tem de se virar. O volume de vendas regrediu a níveis de 20 anos atrás, mas com os custos de 2017, como mão-de-obra.

DINHEIRO – Se o crescimento das vendas voltar neste ano, a empresa
estará pronta?
LEONCINI – Hoje, diferentemente de uma década atrás, qualquer reação repentina do mercado consegue ser facilmente suprida. Não existe a menor possibilidade de o consumidor ficar desassistido. Mesmo porque há nove montadoras no Brasil, com grande capacidade e tecnologia para se ajustar às necessidades. O que pode acontecer, o que não acredito nesse momento, é surgir uma eventual dificuldade por parte dos pequenos fornecedores. Todos estão atravessando o mesmo manguezal que nós.

Fonte:http://www.istoedinheiro.com.br/um-ano-ruim-como-o-de-2016-nao-se-repetira/

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